A direita não tem proposta pra segurança pública
Vejo muitos vídeos e muitas pessoas, até da própria esquerda, dizendo que a esquerda não tem proposta para segurança pública. Se você pesquisar agora, boa parte dos comunicadores da esquerda tem um vídeo do título "A esquerda precisa de propostas para a segurança pública", só que essas propostas existem. A gente cai no papo de que a direita tem proposta, mas que propostas são essas?
1. Aumento do rigor penal e tolerância zero
Vamos aos dados. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. Só que há uma diferença crucial: enquanto a China tem uma taxa de reincidência baixa, a nossa varia entre 30% e 70%, dependendo do método de análise. Hoje, nossas cadeias são verdadeiras escolas do crime. Um jovem preso por roubo ou por portar pequenas quantidades de drogas — que, aliás, representam grande parte das prisões por tráfico — acaba tendo que pedir proteção a uma facção. O preço? Fidelidade. Alguém que entrou por um "corre" temporário sai condenado a ser ainda mais leal ao crime. E há casos de quem precise pagar pela carga perdida, tornando-se assaltante. Ou seja, nosso sistema prisional é ineficaz. Aumentar o rigor penal não resolve o problema; na verdade, pode piorá-lo.
Imagine alguém preso há 20 anos em regime fechado. Em 2005, essa pessoa era um jovem de 20 anos. Hoje, é um adulto de 40, completamente defasado cultural, tecnológica e socialmente. As condições socioeconômicas dela provavelmente pioraram, e o distanciamento da sociedade só aumentou. Mais rigor penal, sem mudanças estruturais, só vai aumentar a reincidência e perpetuar o ciclo de violência.
2. Fortalecimento das forças policiais e liberdade de ação
Essa proposta é uma das mais bizarras. Basicamente, ela iguala o Estado ao bandido. O excludente de ilicitude, por exemplo, não vai ajudar a matar mais traficantes; vai, na verdade, aumentar os "acidentes" que vitimam crianças inocentes e civis desarmados. Não faltam casos de balas perdidas ou ações policiais desastrosas.
Além disso, o estresse e a exposição a situações traumáticas já fazem dos policiais vítimas de altas taxas de suicídio. Se a guerra do Vietnã, do Afeganistão e do Iraque deixaram soldados estadunidenses com sequelas psicológicas graves, imagine o efeito disso em policiais que, além de combater o crime, deveriam proteger e assistir a população. Dar mais liberdade de ação e fortalecer a estrutura militar, sem mudanças profundas, só vai piorar a situação. Perderemos mais policiais para o suicídio do que para o combate ao crime.
3. Combate ao crime organizado e tráfico de drogas através de operações
Essa ideia é absurda. A literatura militar é clara: a melhor forma de vencer uma guerra é cortar a linha de suprimentos do inimigo. Mas o que fazemos? Atacamos o território, criamos uma terra arrasada e saímos perdendo. Enquanto isso, as drogas continuam vencendo. O número de usuários só aumenta, a demanda permanece alta, e nada na proposta da direita ataca isso. A demanda por escapes no capitalismo é simplesmente grande demais para ser suprimida.
Aliás, a história mostra que proibições só fortalecem o crime organizado. A máfia estadunidense cresceu com a Lei Seca, e a máfia russa se fortaleceu com a proibição de álcool e drogas. Repetir esse erro no Brasil só alimenta o tráfico.
4. Armamento da população e defesa pessoal
Essa é uma das maiores falácias que existem. Pegam a Suíça, com um dos maiores IDHs do mundo, e tentam comparar com o Brasil. Nos EUA, o armamento trouxe problemas gravíssimos, como tiroteios em escolas e altas taxas de feminicídio. Estudos mostram que ter uma arma em casa aumenta drasticamente o risco de morte da parceira em crimes passionais.
A ideia de que você vai sacar uma arma e se defender de um assalto é absurda. Primeiro, porque até profissionais da segurança pública são alvos de furtos de armas. Segundo, porque reagir a um assalto aumenta em 5 vezes a chance de morte da vítima. Armar a população só vai resultar em mais mortes e mais armas nas mãos do crime organizado.
Fora que é uma loucura gastar R$5000 reais pra proteger um celular de R$3000. Sem contar os custos de manutenção, treinamento e munição. No fim, você gasta mais para proteger algo que pode ser perdido em segundos. E, na maioria dos casos, o assaltante age pelo fator surpresa, tirando qualquer chance de reação.
E a esquerda? O que propõe?
Enquanto a direita repete fórmulas fracassadas, a esquerda propõe soluções baseadas em evidências e experiências internacionais. No curto prazo, é possível investir em inteligência policial para mapear áreas de risco, criar centros de mediação de conflitos e fortalecer a proteção a testemunhas. Ações emergenciais, como levar assistência social a áreas vulneráveis, também podem reduzir a violência imediatamente.
No médio prazo, a descriminalização das drogas e a redução de danos são essenciais para enfraquecer o tráfico. Reformas no sistema prisional, com foco em educação e reintegração, podem reduzir a reincidência. Campanhas de desarmamento e o fortalecimento do policiamento comunitário também são medidas eficazes.
Já no longo prazo, a esquerda propõe reformas urbanas para urbanizar favelas, ampliar o acesso à educação integral e gerar emprego e renda para jovens em situação de risco. Combater as desigualdades estruturais, com políticas como o Bolsa Família, é fundamental para atacar as causas profundas da violência.
Conclusão
A direita insiste em aumentar a dose de um remédio que já está dando errado. Enquanto isso, a esquerda propõe um caminho mais complexo, mas também mais eficaz e humano. O debate sobre segurança pública precisa ir além do senso comum e das soluções simplistas. Precisamos de políticas que ataquem as causas reais da violência, e não apenas seus sintomas. As propostas da esquerda estão lá, baseadas em estudos e experiências de sucesso. Só falta quem queira olhar.
edit: Não sou contra penas severas. Mas elas precisam existir com um fundamento. O problema é que hoje se fala sobre punição severa de forma abstrata e que só vai resultar e botar o pequeno traficante e o ladrão de galinha mais tempo na cadeia, aumentando ainda mais a dependência do tráfico. Se focar na ressocialização dessa galera, em pouco tempo você tem resultados concretos e você diminui a massa carcerária. Acima de tudo a gente precisa reduzir o número de prisões por pequenas quantidades, porque isso afoga o sistema judiciário e cria esse 30% de prisões temporárias da galera que tá presa sem nem ter julgamento. A gente hoje prende pequeno traficante (muitas vezes até um usuário pobre) e no fim a gente ganha um individuo com uma formação de 10 anos em tráfico e crime.